sexta-feira, 27 de julho de 2007

História dos nossos instrumentos

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A Pandeireta

Hornbostel e Sachs basearam-se no modo como os instrumentos produzem o som para classificá-los em quatro grupos básicos: idiofones, membranofones, cordofones e aerofones. Os dois primeiros constituem o grupo que comummente chamamos percussão.
A pandeireta define-se como um instrumento unimembranofone de percussão direita. Dado que o aro tem ferrenhas que ao tocar produzem som, a pandeireta poder-se-ia incluir também nos idiofones de agitamento.
O pandeiro é um instrumento bimembranofone de percussão direita.
Uma dos primeiros vestígios para fazer uma breve história destes dois instrumentos atopamo-la nos estudos etimológicos:
Antônio Geraldo da Cunha diz que o termo provém do castelhano panderete e que aparece no sec. XVI na forma pâdereta.
No castelhano documenta-se pela primeira vez em 1330 no Libro del Buen Amor com o sufixo moçárabe –ete:

“Dulce caño entero, sal com el panderete
com sonajas de açofar façem dulçe sonete”


Este dado, além de ser o primeiro testemunho, também é importante pela informação que dá sobre o material com que se elaboravam as ferrenhas (açofar = latão).
Em 1582 segundo documento apresentado por José Figueira Valverde, num festejo do Córpus em Compostela, saía em procissão a “Cofradia de los tecelanes, con su danza de veinte mozas, con sus panderetes y adufes, muy bien compuestas”.
Contudo nos séculos XVI e XVII o nome mais comum do instrumento deveu ser ferrenhas. Baseamos isto em documentos importantes:
Em Notas Viejas Galicianas podemos ler contratos que se fazem a ferrenheiros em Noia a 19 de Junho de 1579 e em Betanços a 19 de Outubro de 1624, 27 de Maio de 1644 e 9 de Junho de 1645.
Nos vilancicos galegos, usa-se frequentemente ferrenhas e não é até quase 1800 que se empregará pandeireta (sufixo –eta).
Ainda em Pintos podemos ler em A Gaita Gallega:

E mulheres que cantando
E castanholas mexendo
Se espotricam com as ferrenhas
Repenicam o pandeiro.


Ferrenhas era uma metonímia de pandeireta, nomeando a parte pelo todo. Embora a definição que de ferrenhas nos proporciona Inzenga não pareça corroborar isto: “usam um género de instrumento acústico. Chamado pelos galegos ferrenhas e em Castela sonajas, muito parecido ao sistro que usavam os sacerdotes de Isis”

O primeiro documento que o dicionário Vox dá de pandeireta (sufixo –eta) é dum romance de Juan Meléndez Valdés (1754-1817)

...y cual em medio de todos
repica la pandereta.


Também nos diz (o dicionário Vox) que a Real Academia Espanhola não incorpora o termo até 1884.
Na Galiza a primeira referência que encontramos é em Castro de Neira (Mondonhedo 1771-1816) quem num vilancico infelizmente sem datar empregara já o termo em –eta.

Depois de fazer-lhe a vénia
A gaita podes sacar
E nosoutros pandeiretas
Para foliada começar.


Curiosamente na altura há a variante:

Depois de ver ao menino
A gaita podes tocar
E nosoutros as ferrenhas
Para logo a festa começar.


Quanto à iconologia, a mais antiga na Galiza haverá que a buscar no cancioneiro de Ajuda.
Neste pequeno estudo histórico não nos é possível aprofundar questões de tipo morfológico, em modos de interpretação, aprendizagem, etc. Só é importante dizer que em toda a iconografia vista, até a mais antiga, nunca a mulher ou o homem toca com punho, mas com a mão aberta.

Coromines data pela primeira vez a palavra pandeiro em 1335. Diz que em fontes moçárabes se atopa frequentemente com a forma pandáir. Fá derivar do latim tardio PANDORIUM, e esta do grego pandurion, pandûra:”espécie de alaude de três cordas”.
Se a procurarmos no português, Da Cunha diz-nos que vem do castelhano pandero, com a mesma etimologia que a de Coromines, e documenta-o no XVI.
A fonte castelhana encontra-se no Arcipreste de Fita (c. 1283 - c. 1350):
Las triperas le acogen tañendo sus panderos
Caçadores de dote recorrem los oteros.
Libro de Buen Amor
A fonte portuguesa talvez seja Gil Vicente:

Em cada casa pandeiro
A gaita em cada palheiro
A cada porta um terreiro,
Cada aldeia dez folias.
Cada casa atabaqueiro
Tambor em cada moinho...


Adufe é uma palavra de possível origem árabe, dull, e que na General Estoria, s.XIII, aparece como adufle.
Também no século XIII Martim de Ginzo cantava:

A do muy bom parecer
Mandou aduffe tanger
Louçana de amores moyreu (...)


Santo Isídoro, nas etimologias nomeia um instrumento chamado pandurio e na Bíblia(Éxodo 15,20; livro de Samuel,I, 18,7,Juízes, 11,34) outro chamado tôph.
A iconografia mais antiga na Galiza vêmo-la no tímpano da Igreja de São Miguel do Monte (Serra do Faro) em Chantada,s.XII.
"Na parte esquerda há um homem sentado no que parece ser um leão deitado. Este homem está tanhendo uma viola ou rabel. À sua direita há uma mulher a dançar e tocando as castanholas, fazendo uma contorção exagerada do corpo. Por cima deles, devido à adaptação das figuras ao espaço atópa-se um homem tocando o pandeiro quadrado”. A grilheira.