Nos tempos que correm, uma boa parte das novidades que nos assaltam chegam-nos por via daquele objecto que nos roubou o que de mais importante tínhamos até à sua abrupta chegada, a privacidade. Obviamente que estou a falar do telemóvel. Pois bem, assim foi um dia destes, muito pouco atrás, o dito objecto cortou-me uma agradável conversa que estava a ter, para logo se intrometer e anunciar-me que um determinado amigo me queria falar. Atendi o dito cujo, na expectativa das novas do lado de lá do aparelhómetro.
Estava-me reservada uma daquelas surpresas que à maior parte deixa um pouco (se fosse só um pouco…) “à toa”. Esse tal amigo queria que produzisse um texto acerca da Imperial Neptuna Académica, a Tuna da cidade da Figueira da Foz.
Tentei argumentar:
- Mas eu?...
(silêncio)
- Não sei o que dizer…
(silêncio)
- Mas eu…
(silêncio)
- Mas tem de ser?
Inútil! O meu amigo estava determinado. Fiquei até com a sensação de que o meu embaraço só parecia estimulá-lo. Tinha mesmo que escrever um texto para a Imperial Neptuna.
Ataquei uma pobre e indefesa folha de papel branco que teimou em não mudar de cor, por ausência de riscos coloridos que toda a gente chama de escrita. Pois é, eu bem que sabia, esta coisa de ter ideias não era para gente normal, que é classe a que tenho o infortúnio de pertencer. Puxei, puxei e a única coisa que me saía era, tão só, nada! Até que comecei a procurar, no baú das reminiscências da minha memória, o significado que para mim tem o ambiente e ambiência que envolve as Tunas Académicas.
- Mas espera aí, a tua vida académica não foi atravessada ou atropelada por contactos com Tunas.
Pois é, aquela gente lá de Lisboa, nos finais dos anos oitenta e princípios dos noventa, do século passado, esclareça-se, eram pouco dados a Tunas. Os meios académicos eram então marcados por outras questões e políticas. Música, só aquela que alguns colegas nos davam quando apoio ou material precisavam, ou então aquela outra, que se ouve e que se dá quando as ideias e a dona de tais estão em todo o lado menos nas sebentas e anfiteatros frios de ardósias quilométricas de formulas matemáticas “antiviagrais”.
Experiência rica e inesquecível a minha, julgava eu. Que engano, meus senhores. Foi preciso “aportar” a estas paragens para perceber quão vazia tinha sido a minha experiência académica. Tal “abertura de olhos” e percepção do embuste começou a desenhar-se quando tive o primeiro contacto com a Imperial Neptuna. De tal momento guardo a recordação de um grupo de gente, metade sóbria, vestida com uniformes em que se reparava que era suposto haver uniformidade, mas cuja característica, por mais que se esforçassem, teimava em estar ausente. Depois havia um deles, muito jovem e mal “amanhado”, que lavava alegremente as peúgas em pleno rio Mondego. Bizarro contacto. Podem facilmente imaginar a sensação e ideia com que fiquei, mas atenção, qualquer comum mortal que aí chegasse naquele momento, não poderia ficar com ideia diferente da que fiquei então. Ah, é verdade, verifiquei que eram todos rapazes muito modernos, com grandes preocupações com o meio ambiente, as garrafas de “minis” eram todas recolhidas e depositadas em local único e enorme, tal a quantidade, para mais tarde reciclar.
Exímios tocadores, bons bebedores, melhor na arte da amizade. Gente boa afinal, que fui tendo a oportunidade de melhor conhecer com o rasgar das folhas do calendário. Têm no espírito de grupo o ponto forte da “empresa”. Disso apercebi-me pouco tempo depois de os conhecer e disso fiquei ciente a partir do momento em que um deles partiu de forma abrupta, logo violenta. Essa música, a do espírito que se cria nos grupos, também eu estou habituado a tocar, e logo percebo quando alguém a dedilha em corda fina. Comprovei-o naquela saída à barra para homenagear o Nabais.
Acreditem, nesse dia fiquei a respeita-los ainda mais, pois que aquilo que fizeram foi algo que muito me diz e muito me toca. Só quem sente, só quem sabe o que a palavra amizade significa na sua plenitude pode, como eles, chorar como choraram o amigo que os deixou. Ficava para mim definitivamente comprovada a tristeza e pouca profundidade da minha experiência académica.
E foi desta forma, mais ou menos tranquila, que fui convivendo com os Tunos e aprendendo a respeitá-los pela sua qualidade artística e humana. Aquilo é gente que sabe o que faz, que gosta do que faz, que teima em não soltar amarras dum tempo boémio e típico e que insiste em transformar parte da sua vida em algo com sentido. Aquilo é gente que há-de chegar a velho com espírito e algumas minis, sempre fresco e frescas. São, ao cabo desta prosa sem profundidade, embarcação de lastro pesado, grande calado e mastro seguro. Felizes daqueles que se cruzam com “malta” como esta. Importa deixar esclarecido que o “lavador de peúgas” já veste decentemente e canta umas coisas. No seu lugar, outro promissor artista desponta e assim garante a sucessão e afere a vitalidade do grupo.
Já agora, é do conhecimento de, pelo menos pouco mais de meia dúzia de alguns, que as minhas origens estão associadas a terras de planícies vastas, em tudo idênticas a este mar (quando está chão) que me abraçou, encantou e agarrou, há uma dezena de anos. Pois bem, lá na minha terra (ora aqui está uma expressão bem nossa, bem “tuga”) a nossa paixão divide-se por inúmeras coisas, mas invariavelmente “encalha” na festa brava. Então sabiam que um Tunante tanto pode significar um indivíduo que pertence a uma Tuna, como um touro que já conhece a arena pelo facto de já ter sido picado, ou seja, corrido? Ah pois é, a língua portuguesa é quase sempre muito rica e, por vezes traiçoeira. Sim, essa mesma língua que nos coloca ao espelho e nos faz ficar vermelho pela falta de jeito e pouca qualidade do que produzimos, como no presente exemplo.
Amigo, a culpa é tua, eu tentei dizer-te que este desafio era para quem sabia correr, mas já que insististe…
Obrigada malta, pela vossa disponibilidade e exemplo.
E viva a Imperial Neptuna Académica.
Figueira da Foz, 12 de Junho de 2008
Vítor Manuel Guerra Rodrigues
Estava-me reservada uma daquelas surpresas que à maior parte deixa um pouco (se fosse só um pouco…) “à toa”. Esse tal amigo queria que produzisse um texto acerca da Imperial Neptuna Académica, a Tuna da cidade da Figueira da Foz.
Tentei argumentar:
- Mas eu?...
(silêncio)
- Não sei o que dizer…
(silêncio)
- Mas eu…
(silêncio)
- Mas tem de ser?
Inútil! O meu amigo estava determinado. Fiquei até com a sensação de que o meu embaraço só parecia estimulá-lo. Tinha mesmo que escrever um texto para a Imperial Neptuna.
Ataquei uma pobre e indefesa folha de papel branco que teimou em não mudar de cor, por ausência de riscos coloridos que toda a gente chama de escrita. Pois é, eu bem que sabia, esta coisa de ter ideias não era para gente normal, que é classe a que tenho o infortúnio de pertencer. Puxei, puxei e a única coisa que me saía era, tão só, nada! Até que comecei a procurar, no baú das reminiscências da minha memória, o significado que para mim tem o ambiente e ambiência que envolve as Tunas Académicas.
- Mas espera aí, a tua vida académica não foi atravessada ou atropelada por contactos com Tunas.
Pois é, aquela gente lá de Lisboa, nos finais dos anos oitenta e princípios dos noventa, do século passado, esclareça-se, eram pouco dados a Tunas. Os meios académicos eram então marcados por outras questões e políticas. Música, só aquela que alguns colegas nos davam quando apoio ou material precisavam, ou então aquela outra, que se ouve e que se dá quando as ideias e a dona de tais estão em todo o lado menos nas sebentas e anfiteatros frios de ardósias quilométricas de formulas matemáticas “antiviagrais”.
Experiência rica e inesquecível a minha, julgava eu. Que engano, meus senhores. Foi preciso “aportar” a estas paragens para perceber quão vazia tinha sido a minha experiência académica. Tal “abertura de olhos” e percepção do embuste começou a desenhar-se quando tive o primeiro contacto com a Imperial Neptuna. De tal momento guardo a recordação de um grupo de gente, metade sóbria, vestida com uniformes em que se reparava que era suposto haver uniformidade, mas cuja característica, por mais que se esforçassem, teimava em estar ausente. Depois havia um deles, muito jovem e mal “amanhado”, que lavava alegremente as peúgas em pleno rio Mondego. Bizarro contacto. Podem facilmente imaginar a sensação e ideia com que fiquei, mas atenção, qualquer comum mortal que aí chegasse naquele momento, não poderia ficar com ideia diferente da que fiquei então. Ah, é verdade, verifiquei que eram todos rapazes muito modernos, com grandes preocupações com o meio ambiente, as garrafas de “minis” eram todas recolhidas e depositadas em local único e enorme, tal a quantidade, para mais tarde reciclar.
Exímios tocadores, bons bebedores, melhor na arte da amizade. Gente boa afinal, que fui tendo a oportunidade de melhor conhecer com o rasgar das folhas do calendário. Têm no espírito de grupo o ponto forte da “empresa”. Disso apercebi-me pouco tempo depois de os conhecer e disso fiquei ciente a partir do momento em que um deles partiu de forma abrupta, logo violenta. Essa música, a do espírito que se cria nos grupos, também eu estou habituado a tocar, e logo percebo quando alguém a dedilha em corda fina. Comprovei-o naquela saída à barra para homenagear o Nabais.
Acreditem, nesse dia fiquei a respeita-los ainda mais, pois que aquilo que fizeram foi algo que muito me diz e muito me toca. Só quem sente, só quem sabe o que a palavra amizade significa na sua plenitude pode, como eles, chorar como choraram o amigo que os deixou. Ficava para mim definitivamente comprovada a tristeza e pouca profundidade da minha experiência académica.
E foi desta forma, mais ou menos tranquila, que fui convivendo com os Tunos e aprendendo a respeitá-los pela sua qualidade artística e humana. Aquilo é gente que sabe o que faz, que gosta do que faz, que teima em não soltar amarras dum tempo boémio e típico e que insiste em transformar parte da sua vida em algo com sentido. Aquilo é gente que há-de chegar a velho com espírito e algumas minis, sempre fresco e frescas. São, ao cabo desta prosa sem profundidade, embarcação de lastro pesado, grande calado e mastro seguro. Felizes daqueles que se cruzam com “malta” como esta. Importa deixar esclarecido que o “lavador de peúgas” já veste decentemente e canta umas coisas. No seu lugar, outro promissor artista desponta e assim garante a sucessão e afere a vitalidade do grupo.
Já agora, é do conhecimento de, pelo menos pouco mais de meia dúzia de alguns, que as minhas origens estão associadas a terras de planícies vastas, em tudo idênticas a este mar (quando está chão) que me abraçou, encantou e agarrou, há uma dezena de anos. Pois bem, lá na minha terra (ora aqui está uma expressão bem nossa, bem “tuga”) a nossa paixão divide-se por inúmeras coisas, mas invariavelmente “encalha” na festa brava. Então sabiam que um Tunante tanto pode significar um indivíduo que pertence a uma Tuna, como um touro que já conhece a arena pelo facto de já ter sido picado, ou seja, corrido? Ah pois é, a língua portuguesa é quase sempre muito rica e, por vezes traiçoeira. Sim, essa mesma língua que nos coloca ao espelho e nos faz ficar vermelho pela falta de jeito e pouca qualidade do que produzimos, como no presente exemplo.
Amigo, a culpa é tua, eu tentei dizer-te que este desafio era para quem sabia correr, mas já que insististe…
Obrigada malta, pela vossa disponibilidade e exemplo.
E viva a Imperial Neptuna Académica.
Figueira da Foz, 12 de Junho de 2008
Vítor Manuel Guerra Rodrigues